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CAPÍTULO 2 - A NOTÍCIA *Alex
Alex passou os últimos meses se consumindo em culpa. Sabia que o desaparecimento de Anne era de total responsabilidade sua. Não podia perdoar-se pelo que fizera a ela na última vez que a viu.
Sua culpa também ajudou ainda mais no afastamento do irmão. Não conseguia encará-lo e, por mais que o culpasse por sua infelicidade, sabia da verdade. Eles não eram inocentes em seus atos, mas ambos foram sinceros quando afirmaram já se conhecerem antes do seu relacionamento com Anne. Era evidente que estavam apaixonados.
Porém, foi ele quem traiu Felippe por vingança e por inveja. Ele desejou a namorada do irmão conscientemente ignorando todos os fatos. Ele forçou Anne àquela situação que a fez desaparecer por meses.
Ele até tentou amenizar sua culpa quando contou a história aos pais na frente de Felippe. Era a primeira vez que ouvia o nome de Anne depois do incidente, e a vergonha que sentiu foi tão forte que se viu obrigado a consertar. Não pôde deixar de ignorar a surpresa de Felippe quando ele expôs os detalhes sobre a história nunca conversada entre eles.
Teria que lidar com a perda dela para o irmão e esperar que ela nunca revelasse a ele seu feito monstruoso.
Semanas se passaram desde o incidente na casa dos pais. E como fizera nos últimos meses, manteve distância de Felippe o máximo que pôde. A relação de ambos não era mais a mesma e, com o retorno de Anne, sabia que a tendência era piorar.
Aproveitou o máximo de suas viagens, ficando cada vez mais distante do Brasil. O pai já estava, havia muito tempo, deixando os negócios de lado, delegando a Alex os cuidados dos escritórios de fora. Mas, na sua primeira volta para a casa, foi surpreendido com uma mensagem de Felippe:
“Precisamos conversar. Posso passa no escritório hoje à tarde? F.”
Curiosidade não fazia o seu feitio e não tinha mais interesse nos assuntos do irmão, mas sabia que aquele encontro era inevitável depois de tanto tempo. Então, respondeu direto:
“Apareça lá pelas 15:00. Alex”
Sua rotina era bastante sistemática devido aos cinco escritórios que coordenava em fusos horários diferentes. A manhã costumava ser mais corrida devido às reuniões semanais de alinhamento com todos os escritórios. Na maioria das vezes, almoçava em sua sala entre uma videoconferência e uma reunião.
Alex gostava de toda essa correria e do desafio que o negócio da família lhe impunham. Ele era eficiente e exigente na medida certa. A adrenalina e a sensação de dever cumprido a cada final de dia o deixavam satisfeito e bastante ocupado.
Seu telefone tocou às 15:00 em ponto. Era a secretária avisando da chegada de Felippe. Ela não esperou a confirmação de Alex para liberar a entrada, provavelmente porque Felippe só passara por ela a caminho da sala do irmão, como fizera a vida toda em visitas ao escritório.
Alex não pôde deixar de relembrar a última vez que Felippe esteve lá naquela semana terrível de sua despedida de Anne. Ele fechou os olhos e controlou a respiração. Ouviu a porta se abrir no mesmo momento em que abriu os olhos. Ali estava o irmão entrando em sua sala, um pouco desconfortável, como ele também se sentia.
Felippe contrastava com o irmão em todos os sentidos. Vestia de forma despojada uma blusa de malha listrada de preto e branco, calça cargo preta e botas de couro. Os cabelos despenteados estavam ainda mais destacados com seu rosto bem barbeado.
Alex continuou sentado em sua mesa enquanto Felippe se jogou numa das cadeiras de frente ao móvel e o cumprimentou com um aceno de cabeça, ao qual Alex retribuiu.
- Quer um café ou água? - perguntou Alex, educado e sério.
- Ambos.
- Andreia, traga café e água para nós, por favor - pediu Alex, ao telefone. - E então?
- Como você já deve saber, a Anne voltou e estamos juntos - disse ele, sem rodeios.
- O papai comentou comigo.
Nesse momento, Andreia entrou na sala com uma bandeja e, em silêncio, deixou as bebidas sobre a mesa. Saiu e fechou a porta atrás de si. Ambos tomaram um gole de café e voltaram a se olhar. Felippe continuou.
- E ela está gravida. Vamos ter um filho juntos - disse, apressado. - Eu quis te contar pessoalmente para evitarmos novas surpresas - esclareceu, por fim.
Alex perdeu a visão. Tudo ficou escuro e um zunido em seu ouvido o fez parar de ouvir Felippe. “Ela estava grávida quando eu a seduzi?” - pensou. Seu pesadelo não podia ser pior. Ele era o monstro que achava ser. A moça que ele dizia amar estava num momento de total fragilidade e ele, em seu egoísmo, abusou dela da forma mais perturbadora que podia fazer. Desconfiava de que o irmão não fazia ideia dessa parte da história. A gravação que ele havia ouvido acabava antes dessa parte. E se Anne tivesse contado alguma coisa, com certeza ele não estaria tão calmo. O relacionamento dos três estava fadado a ser repleto de segredos e intrigas.
- Alex!? Você está bem?
Alex olhou para o irmão e, pela expressão alarmada no rosto dele, podia imaginar sua própria aparência. A tristeza que viu ali espelhava a sua própria dor. Alex se levantou da cadeira e bebeu o copo de água, ignorando o olhar preocupado de Felippe. Afrouxou um pouco a gravata e respirou fundo. Voltou a se sentar e o olhou sem emoção. Estava sem palavras para continuar a conversa, então o irmão continuou:
- Sei que não estamos nos falando devido a toda essa confusão entre nós, mas eu queria me desculpar de alguma forma. Eu sei que tinha a obrigação de ter conversado com você logo que reconheci a Anne naquele fim de semana...
- Vai ser difícil voltarmos a ter o que tínhamos.
Alex estava recuperando parte do seu orgulho para não desmoronar na frente do irmão. A mágoa ainda era maior que sua culpa. Agradeceu por Anne não ter revelado nada a Felippe. Manteria esse segredo oculto do irmão para sempre, se possível.
- Eu sei. Mas não quero piorar ainda mais. Foi apenas por isso que quis vir contar para você. Contamos para mamãe ontem e ela deve ligar para o papai.... Enfim.... Não queria que você fosse pego de surpresa “de novo”.
- Agradeço a preocupação - disse Alex com tom sarcástico.
Felippe engoliu qualquer resposta que tivesse pensado em dar a Alex e se levantou num pulo da cadeira. Apenas acenou para o irmão enquanto caminhava para a porta. Em silêncio, Alex o viu sair. Não havia o que dizer. Alex sentia-se oco por dentro. Seu coração estava dilacerado. Estava sendo consumido por muita dor.
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