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Capítulo 01 - A Rotina
A rotina da manhã foi a mesma que mantinha há meses: acordar cedo, sair para correr e tomar seus suplementos. Essa rotina havia rendido um corpo super em forma. Mauro estava magro, mas os músculos haviam sido definidos. Tinha pele bronzeada, cabelos crespos e adotara barba cheia nos últimos anos. Sentia-se com cara de menino quando se barbeava.
Correr estava ajudando a manter a cabeça arejada. O último ano vinha sendo repleto de mudanças. Sair da casa dos pais foi uma delas, mas não a mais difícil... Adaptar-se a viver na solidão era bastante perturbador. Nas primeiras semanas, soube que a solidão estava dentro dele há anos, talvez desde a adolescência. Muitos amigos e morar com os pais, eram coisas que só abafavam os gritos que trazia lá dentro.
Por isso corria. Corria todos os dias, onde estivesse. Corria dele mesmo, de seus pensamentos, de suas falsas verdades. Porém, sabia que não poderia correr para sempre.
Um vazio se instalou dentro dele. Era um buraco infinito. Esse vazio precisava ser preenchido e sabia disso. Porém, nunca se permitiria tomar essa atitude. Seu mundo estava em ruínas.
- Bom dia Sr. Mauro. - cumprimentou o porteiro, ao vê-lo passar pela portaria e sair para o trabalho.
Mauro só acenou. Não estava para muitos amigos ultimamente. Na verdade, percebia que estava se isolando cada vez mais. Tentou lembrar da última vez em que fez um “happy hour” com amigos. Nada. Nenhuma lembrança recente.
Correr, trabalhar e beber sozinho eram as suas únicas atividades ultimamente. O pior era saber que estava fugindo e se isolando cada vez mais. Isso era realmente perturbador. Precisava de ajuda. Precisava colocar tudo pra fora antes que explodisse.
Já via sinais dessa explosão na semana anterior, na reunião semanal com a equipe de redação. Paciência nenhuma com os novatos e alta exigência com os veteranos.
“Férias!” - pensou. - “Talvez se eu viajasse... Fugisse!!!” - novamente, evitava resolver o que de fato incomodava. - “Pára!!!” - pensou mais alto.
Foi roubado de seus devaneios ao chegar na agência e ver que a agenda estava lotada.
Ele era sócio de uma nova agência de publicidade. Fora seu sonho por anos. Batalhou muito para idealizá-la. Família contra, amigos a favor. Trabalhou dia e noite para ganhar recursos suficientes para dar esse passo. No próximo mês, a empreitada completaria três anos. As contas foram crescendo, novas foram sendo conquistadas. Estava satisfeito com essa parte de sua vida. Trabalhava mais de doze horas por dia, o que fazia seu dia ir embora sem precisar pensar em mais nada.
Porém, a vida é sábia (ou sádica), porque agora sofria de insônia. Nas primeiras noites, tentou correr para ver se aliviava, mas não houve efeito. Os pensamentos o acordavam e não tinha nada que pudesse fazer para calá-los. Estava à beira de um colapso.
Pegou o telefone. Almoçar com uma velha amiga podia salvá-lo. Evitou por meses dar esse telefonema. Sabia que ela falaria (ou leria) rapidamente seu problema. O problema que ele estava tentando enterrar e calar. Não queria ouvir o óbvio.
Mas estava ficando fora de controle. Não podia deixar esse lado de sua vida destruir seu sonho, sua agência. As equipes já estavam com medo de trabalhar com ele. Os clientes também vinham sendo afetados por sua crescente intolerância. Ele que sempre foi um ótimo aprendiz, gestor e colega de trabalho. Não podia deixar tudo desmoronar. Sabia disso. Conversar com alguém era a única coisa sensata a fazer. Fez a ligação. Não usaria mensagens.
- Bom Dia! - esforçou-se ao máximo para parecer natural e animado, mas fracassou.
- O que está acontecendo? Pode falar já!!! - retrucou Fernanda, do outro lado da linha, com sua voz forte e meio alta.
Não havia percebido o quando sentiu falta daquela maluca. Não sabia como ela podia ser tão vidente. Preocupou-se sobre o que ela veria ao encontrá-lo pessoalmente e um arrepio percorreu sua espinha...
- Oi Fê! Saudades de você também. Está tudo bem por aqui... - e fingiu um bufo forçado.
- Ai... Desculpa... Não posso fazer nada se sua voz te entrega. Eu fico preocupada! Você me conhece. Onde você está? - ela disse rapidamente e fez silêncio de repente - Bom Dia !!! - respondeu ela, finalmente feliz e sorridente (dava para ouvir seu sorriso).
- Só você... Quero convidá-la para almoçar hoje. Topa? Você escolhe. - disse ele.
Mauro sabia que distraí-la com comida funcionaria. Não tinha condições de adiantar assuntos por telefone.
- Almoço infinito!? Por que você sabe que detesto começar reflexões e ter hora para voltar. Precisamos de pelo menos três horas! - disse ela apressada - e podemos ir conhecer aquele bistrô fofo que abriu perto da sua agência? Já foi lá?
Era bom ouvi-la. Ela preenchia parte do seu vazio. Ela tinha sempre tanto a falar que facilitava para outro só ouvir e poder parar de pensar. Era fácil estar com ela. Ela era quase perfeita...
- Ei!? Você ainda está aí!? - disse ela alto, chamando-o.
- Sim, almoço infinito! Sim, podemos ir ao bistrô. E sim, já estive lá e é ótimo! Sua cara, inclusive. Nos encontramos lá a uma da tarde? Ou quer que eu a busque?
- Nos encontramos lá! - respondeu ela, direta.
Estava para nascer o dia que ela aceitaria carona. Ela era pessoa sistemática.
- Beleza! Até mais tarde então. Vou entrar numa reunião agora. Beijos. - disse ele, sorrindo.
Desligaram e ele ficou com aquela sensação gostosa que sentia quando conversava com a “Fezinha”, apelido que ele usava para chamá-la.
Se conheciam desde a época de estágio. Os pais de ambos torciam para que ficassem juntos e nunca acreditavam quando respondiam que eram apenas amigos.
Essas lembranças o acalmaram até a hora do almoço: o trabalho traria algumas horas de silêncio a sua mente.